quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Por Natana Boletini, na véspera de Natal.
Ano: 2009



Observava a imagem repetida através da janela do trem. Os trilhos, os prédios, as casas, o céu... O barulho e o chacoalhar do veículo faziam com que meu corpo pendesse pro lado da janela, onde eu estava encostada. Meus olhos estavam pesados, ora fechavam, ora abriam sem razão. Aquele torpor recheado com a brisa vinda de fora ia tomando conta de mim mais e mais... Muitos bocejos, vários chacoalhões e um quase cochilo. Um trem acabara de passar na direção contrária, aumentando o vento que adentrava e vinha diretamente sobre mim. Aquele barulho era bem incômodo também. Respirei fundo e continuei firme, tentando não dormir mais, sei lá porquê. Meu pai cochilava tranquilamente no assento à minha frente e eu não via a hora de chegar na nossa estação e correr até nossa casa! Respirei fundo novamente e desta vez estava prestes a fechar os olhos, sem querer exitar, quando fui surpreendida por outro trem na direção contrária. Mas não era algo muito comum...definitivamente! Havia palhaços sentados do lado de fora do veículo? Sim! E eles sorriam daquele jeito sinistro e irônico, com suas roupas coloridas e cheias de bolinhas e babados e essas coisas que normalmente vemos em roupas de palhaços. Tinham perucas igualmente coloridas e de diversas formas... Eram pelo menos quinze deles distribuídos pelos vagões. Conforme o outro trem passava, ia diminuindo a velocidade e os palhaços apenas continuavam a sorrir e se balançar um pouco. Cerrei os olhos e os abri de novo, tentando afastar aquela ilusão de mim... O sono nunca tivera tanto efeito! Louca! Estava ficando louca! Antes de concluir qualquer pensamento, algo mais me surpreendeu - sim! Um dos palhaços ficou em pé no vagão que ocupava, com suas roupas balançando com o vento. Virou-se para minha direção, deu um pulo até o chão - não pergunte como conseguiu equilíbrio para cair exatamente em pé, sem sequer tremer ou balançar - e então se aproximou da minha janela. Aquele sorriso e aqueles olhos...os babados em volta do pescoço, a peruca rosa e toda aquela explosão de cores fazendo companhia para seu sorriso psicótico... wow! Meu coração parecia querer sair pela boca e eu não conseguia desviar os olhos dos olhos dele! Quanto tempo havia se passado? Ele olhava fixamente para mim, parecia conseguir ler minha...alma? Procurei uma razão plausível para tudo aquilo e não encontrando, me desesperei ainda mais. Sua face branca, a boca vermelha, o nariz típico e a maquiagem forte nos olhos... os olhos malditos e curiosos! Passou uma das mãos envoltas em luvas brancas de um lado para o outro, na altura dos meus olhos, como se quisesse saber se eu estava suficientemente presa em seu olhar... Sorriu e encostou o dedo indicador no vidro, traçando algumas palavras imaginárias ali. Arregalou seus olhos, acenou com a cabeça e então virou-se para a direção do trem, que agora estava parado do outro lado - ou era o meu trem que havia parado? Ou seriam os dois? O que diabos estava acontecendo? O palhaço correu, deu algumas cambalhotas no ar e parou do lado do trem que agora começava a deslocar-se, aumentando a velocidade mais e mais. A criatura esperou pelo último vagão e dependurou-se num ferro, na lateral do mesmo, partindo com o trem e saindo do meu campo de visão. Aos poucos o barulho provocado pelo veículo fora diminuindo até que por fim findou-se! Pisquei algumas vezes, encarando o vidro onde ele havia passado os dedos. Quase não acreditei quando aquelas três palavras, foram aparecendo até chegar num tom azul turquesa. Passei meus dedos pelo vidro, contornando as palavras que o palhaço escrevera do lado de fora e ao contrário para mim. Arregalei meus olhos inconscientemente e a frase cravou-se na minha cabeça e permaneceu comigo até que a voz do meu pai quebrou o torpor instalado em mim.
- Ei, vamos descer! - ele disse, bocejando.
Me levantei automáticamente e o acompanhei para fora do vagão. Rumamos para a escada mais próxima e um bocejo me veio. Tentei 'escondê-lo' com uma das mãos.
- O que é isso na ponta dos seus dedos? - meu pai perguntou, de repente.
"Isso o quê?" - pensei. Olhei para meus dedos e meu pai tinha razão. O que era aquilo? Eles estavam...azuis? Azuis iguais às palavras do vidro! Mas... não havia tinta do lado de dentro, sequer havia tinta do lado de fora... Minha cabeça deu voltas e mais voltas, tentando achar uma razão para tudo aquilo, mas estacionou apenas e novamente naquela maldita frase: "Open your eyes!"

- end