quarta-feira, 15 de julho de 2009

Ele era apenas mais um desses garotos normais que a gente encontra por aí. Roupas simples, cabelo bagunçado e um sorriso comum. Nós nos conhecemos exatamente encima deste morro, há uns dois anos atrás. Eu estava aqui sentada, admirando a vista da cidade um pouco abaixo quando ele se sentou. Eu apenas continuei com meus olhos firmes no horizonte, enquanto ele tentava puxar assunto. Comentou algo estúpido como "está fazendo um lindo dia hoje...", suspirando de um jeito engraçado e deixando visível que usava de ironia para começar uma conversa. Desde então nunca mais deixamos de nos falar. Não marcávamos horários ou dias ideais. Apenas nos encontrávamos casualmente...

Conversávamos sobre todos os assuntos possíveis. Discutíamos idéias sobre filmes, livros e tevê. Aos poucos eu descobri sua história de vida e lhe contei a minha. Logo não havia pessoa que me conhecesse mais do que ele. Aquele era meu refúgio e dele também. Para comemorar as coisas boas, chorar, ficar em silêncio, observar as nuvens de algodão... Tudo debaixo daquele céu de aquarela, por vezes tingido de baunilha.

Às vezes nem mesmo um "bom dia" era necessário. Nós nos entreolhávamos e sorríamos. Pronto. Tudo estava esclarecido com aquele olhar e aquele sorriso. Nenhuma palavra era dita depois disso. O céu mudava de cor, a noite se abatia sobre nós e enfim nos despedíamos apenas com um aceno de cabeça e outro sorriso. Nosso primeiro abraço chegou num dia de garoa fina. O céu nublado e com aquele tom de cinza parecia querer retratar meu espírito. Não era um bom dia, mas bastou um abraço sincero e repleto de carinho e compreensão para que tudo se ajeitasse. Ele me entendia como ninguém e eu me sentia confortável para derramar lágrimas na sua presença, para dizer tudo que ficava entalado sobre as pessoas a minha volta. Eu me sentia liberta. Tive muitos amigos ao longo da minha vida, mas nenhuma amizade se compara aquela.

Certo dia ele chegou lentamente e sentou-se, cabisbaixo. Não havia sorriso e aquilo me preocupou. Eu sorri e perguntei se ele queria falar sobre o que estava acontecendo, mas ele mexeu a cabeça negativamente e apenas observou o céu. Respirei fundo, ainda preocupada, mas não quis tocar no assunto novamente. Deixei que ele falasse quando tivesse vontade. As horas se passaram e o crepúsculo tomou conta de tudo, trazendo algumas gotas de chuva consigo. Ele finalmente disse: "Eu vou embora." Aquelas três palavras me fizeram rir de um modo nada bom. Eu ria esperando que ele desmentisse a última afirmação. Mas não havia mentira em seus olhos. Respirei fundo novamente e fiquei em silêncio, tentando me acalmar. Preferi não questionar, encerrando o assunto com o caminho de volta pra casa. Passei quase dois dias sem vê-lo, sem poder encontrá-lo devido a chuva forte. Quando o sol apareceu naquele que seria o terceiro dia desde o ocorrido, eu corri o mais rápido que pude, com o coração acelerado, apenas desejando que ele ainda estivesse lá. Corri ainda mais depressa quando avistei seus cabelos bagunçados e o seu moletom surrado. Aproximei-me e sorri. Ele sorriu-me de volta. Nós nos abraçamos. Ele estava feliz em me ver, mas certa tristeza ainda rondava seu olhar. Eu havia pensado muito nos dias anteriores, sobre como seria aceitar aquilo que nos fora imposto e decidi tentar aceitar o mais rápido possível, já que não podia fazer nada.

Ele confirmou que iria embora e seria naquela noite. Seus pais precisavam dessa mudança e ele não poderia se opor a isso. Suas palavras me mostravam toda dor que sentia e eu não tinha o direito de me revoltar diante dele ou demonstrar qualquer sentimento que o pudesse machucar ainda mais. Fiquei calada, tentando evitar que as lágrimas invadissem minha face, mas era inútil. Ele me abraçou em súbito, enquanto eu chorava cada vez mais, sem conseguir me controlar. Sua voz doce sussurrou em meu ouvido: "Eu nunca vou me esquecer de você." as palavras sinceras dele agravaram minha angústia e eu não pude responder naquele momento. Apenas continuamos em silêncio, por um bom tempo, até que por fim ele disse que precisava ir. Eu o abracei com mais força, as lágrimas haviam secado. "Eu também nunca vou esquecer você, é uma promessa. E eu sei que ainda vamos nos encontrar, nem que seja em outra vida". Entreolhamos-nos pela última vez e ele seguiu seu caminho.

O garoto que um dia eu julgara comum tornou-se a coisa mais importante da minha vida num tempo curto. Não havia olhar ou sorriso que me cativassem mais do que os dele. O destino gosta de pregar peças nas pessoas, afinal. Mas as pessoas com seu jeito especial conseguem nos surpreender ainda mais do que a vida. Eu quero continuar acreditando no lado bom das pessoas. Quero continuar me surpreendendo com elas a cada dia. Não importa quanto tempo passe, tudo que foi bom continuará guardado em mim, assim como aquele sorriso e aqueles olhos.